VIOLÊNCIA NO NAMORO

A definição de violência foi ao longo do tempo sofrendo alterações, na medida em que com o avanço cultural, os comportamentos agressivos que eram anteriormente considerados “legítimos”, “normais” e “adequados” às situações, passaram a ser puníveis por lei.

Atualmente considera-se a violência no namoro, um ato de violência, que pode ser pontual ou contínuo, praticado por um dos parceiros (ou por ambos) numa relação amorosa, que tem como objetivo exercer poder e controlo, de modo a dominar o outro envolvido na relação. A violência no namoro é considerada um crime público, punível legalmente, no quadro da violência doméstica.

Existem diferentes formas de manifestação da violência no namoro. A violência física, que acontece quando o agressor bate, empurra, agarra, prende, sufoca, atira objetos, esmurra, e ainda ameaça. A violência verbal, que se revela quando há humilhação constante, com gritos e críticas negativas. O abuso sexual, que se refere a toda a pressão física e psicológica exercida, com o intuito de obrigar a praticar atos sexuais, não desejados, com recurso à coerção, humilhação e intimidação. A violência psicológica, que se mostra através da tentativa de isolamento do outro, do limitar ou controlar tarefas e papéis, de verbalizações insultuosas, destruição dos bens pessoais, controlo do modo como se veste e como ocupa os tempos livres ao longo do dia, envios de mensagens e ligações constantes, ameaças frequentes de terminar a relação. A violência social consiste na vergonha, humilhação ou tentativa de denegrir a imagem do outro em público, nomeadamente quando está perante amigos e familiares. Mexer no telemóvel, correio eletrónico, conta das redes sociais sem conhecimento e consentimento do outro é também uma forma de violência social.

Todas as formas de violência referidas têm um objetivo comum: magoar, humilhar, controlar e assustar o parceiro, através da rejeição, humilhação, depreciação, descriminação, desrespeito e punições exageradas.

FACTORES ASSOCIADOS À VIOLÊNCIA

A investigação indica que a violência no namoro se deve a fatores relacionados com o ambiente no qual o indivíduo agressor esteve ou ainda está inserido. Considera-se que pelo facto dos jovens apresentarem um historial de agressão precoce, nomeadamente, terem sido expostos a comportamentos familiares violentos (agressões a menores e/ou violência conjugal) condiciona seriamente a perceção que têm sobre os comportamentos agressivos e influencia as suas crenças e atitudes perante os mesmos. O consumo de álcool e drogas assim como os comportamentos sexuais de risco também foram associados a esta problemática. A debilidade na supervisão parental e práticas parentais inadequadas foram considerados fatores que predispõem à violência. O limitado envolvimento e insucesso escolar, a discriminação e a exclusão social na escola

e na comunidade, e o facto de pertencerem a famílias com carências socioeconómicas e ainda a falta de competências de resolução de problemas, conduzem igualmente à violência.

Os estudos mostram que existe uma relação direta entre a violência interparental e a violência no namoro. Os adolescentes, quando crianças e durante o seu desenvolvimento, observaram continuamente comportamentos de violência ou agressão nas suas figuras de referência(pais), e retiraram desses episódios que o modo mais rápido e eficiente de resolver qualquer situação ou problema, é através da agressividade. O que permite aferir que a violência perpetuada pelos pais influencia as crenças e atitudes do adolescente face à violência, considerando os abusos aceitáveis nas suas relações.

A adolescência é uma fase de várias e intensas alterações desenvolvimentais, e representa também um momento de instabilidade emocional e vulnerabilidade. É igualmente uma fase de exploração, desafios e experimentação, e também de provável envolvimento em comportamentos de risco. É um período crucial no que diz respeito a interiorização de mensagens transmitidas quer pela família, quer pelo grupo de pares onde está inserido.

A vítima tem dificuldade em reconhecer os comportamentos abusivos praticados, uma vez que as crenças face à violência estão distorcidas. Acredita que a violência é uma forma de expressão do amor que o companheiro sente, naturalizando a violência, e permanecendo nesta relação. A violência nem sempre é óbvia, grande parte das vezes começa por ser subtil, ainda que esteja a ser severamente torturado/a. Julgam tratar-se apenas de ciúmes excessivos, como tal, as atitudes agressivas de controlo, nomeadamente o sentimento de posse manifestado, é desvalorizado pela vítima. “Só aconteceu porque se descontrolou”, “ele tem muitos ciúmes, eu compreendo”,“ só o fez porque gosta mesmo muito de mim”, “isto não é violência”. “ele é meu namorado, não é violência sexual”.

Quer a vítima quer o agressor não reconhecem que a violência não é de modo algum aceitável.

A violência no namoro implica nos jovens sentimentos de embaraço e vergonha, e nas situações em que a relação se prolonga no tempo, a violência tem tendência a aumentar, quer no que diz respeito a frequência como à gravidade.

A investigação indica-nos que muitos dos casamentos e uniões de facto em que existe violência, foram precedidos de relações de namoro com violência psicológica e/ou física, constituindo-se um indicador de que acontecerá, a violência durante o namoro é um indicador do que acontecerá futuramente na relação.

As crenças erradas dos adolescentes agressores e vítimas, relativamente à violência no namoro, aumentam o risco de culpabilização da vítima pelos episódios violentos, negam a gravidade dos maus tratos, potenciam a desculpabilização do agressor, banalizam a

experiência da vítima, não reconhecem que é uma questão criminal e como tal, não denunciam os atos.

As investigações revelam que os jovens não recorrem a comportamentos de ajuda, a maior parte das vezes, por medo que os considerem responsáveis pela situação, por receio de serem punidos pelos adultos, temerem que os pais terminem a sua relação, não serem ajudados e considerarem que a informação possa não permanecer em sigilo.

Os adolescentes precisam de compreender a construção social do fenómeno da violência no namoro, nomeadamente, como se manifestam os discursos, as atitudes e comportamentos associados.

CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA

A investigação indica que a violência no namoro tem consequências consideradas bastante significativas, nomeadamente ao nível da saúde mental, física e cognitiva, terminando muitas vezes no homicídio ou suicídio da vítima. As vítimas revelam depressão e ansiedade, caracterizada por sentimentos de culpa, baixa auto estima, tristeza, medo, confusão mental, isolamento, perda de apetite, emagrecimento excessivo ou ganho de peso excessivo, dores de cabeça, nervosismo e tristeza profunda. A gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis são igualmente comuns. Apresentam também baixo rendimento escolar e/ou abandono escolar.

INTERVENÇÃO

A adolescência é como foi referido ao longo do artigo, um momento de inúmeras alterações físicas e comportamentais. É uma fase em que namorar é fundamental para os jovens e revela-se um bom momento para os capacitar a reconhecer a existência de situações de abuso, promovendo competências que permitem gerir a violência praticada pelo parceiro.

Tem-se verificado que é notoriamente mais simples para os jovens, procurarem associações de apoio, nomeadamente a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à vítima) e outras, que dirigirem-se às autoridades.

Através da articulação ativa entre a família, saúde, escola e comunidade é possível e viável, a promoção de programas de prevenção primária com o propósito de educar, sensibilizar e mobilizar os jovens para a mudança de atitudes e comportamentos, criando relações interpessoais e sociais saudáveis.

A avaliação e intervenção psicológica nas situações mencionadas é fundamental quer no que diz respeito à vítima quer ao agressor.

Artigo | Revista Insights | 2014

AUTORA

Dr.ª Márcia Gonçalves

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde.
Especialista em Psicologia da Educação.
Especialista Avançada em Psicoterapia.
Especialista Avançada em Neuropsicologia.

(Especialidades atribuídas pela Ordem dos Psicólogos Portugueses)

AUTORA

Dr.ª Márcia Gonçalves 

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde.
Especialista em Psicologia da Educação.
Especialista Avançada em Psicoterapia.
Especialista Avançada em Neuropsicologia.
(Especialidades atribuídas pela Ordem dos Psicólogos Portugueses)