AS CRIANÇAS E O DIVÓRCIO
O divórcio é um acontecimento complexo na vida do indivíduo e que tem vindo a ser analisado, por investigadores, segundo várias perspetivas. A investigação sociológica tem-se centrado sobretudo nos preditores da rutura conjugal, nomeadamente a classe social, idade do primeiro casamento e a raça. A investigação psicológica, por seu lado, tem-se focado na dimensão conjugal de interação, designadamente, nas características da personalidade, comportamento e gestão do conflito.
Este artigo aborda as repercussões que o processo de divórcio tem para as famílias, e sobretudo o impacto que tem diretamente nas crianças.
Segundo alguns autores, a separação dos pais é sempre causa de sofrimento para os filhos. Ainda que a vida diária se tenha tornado um inferno para algumas crianças, nomeadamente, com violência verbal e/ou física consideram que os filhos sofrem com a separação e, muito frequentemente, passados vários anos, continuam a sonhar com a reconciliação.
A investigação demonstra que para algumas crianças o aspeto positivo da dissolução conjugal, é a redução do conflito entre os pais, enquanto, o negativo é a diminuição da convivência e contacto do progenitor que sai de casa, originando transformações complexas no relacionamento entre pais e filhos.
Importa mencionar que os estudos demonstram que é menos problemático para uma criança a rotura conjugal do que permanecer numa família, na qual existem conflitos conjugais constantes.
IDADES E SINTOMATOLOGIA
A exposição a episódios conflituosos entre os pais pode desencadear sintomas que variam conforme a idade da criança.
Nas que se encontram no pré-escolar, nomeadamente entre os 3 e os 5 anos, podem apresentar regressão depois que um dos pais sair de casa. Essas alterações comportamentais manifestam-se de várias formas: através da enurese noturna, irritabilidade, exigência, dependência repentina do adulto, medos e a transtornos ao nível do sono.
As crianças com idades entre os 5 e 8 anos manifestam, habitualmente, tristeza que se manifesta através de dores de barriga, resistência a escola e birras inesperadas.
Entre os 8 e 12 anos poderá revelar tristeza e momentos de raiva, em relação a um dos progenitores por considerá-lo responsável pela situação.
A investigação indica que o pobre envolvimento parental, numa situação de separação, é responsável pelo facto das crianças apresentarem maiores complicações escolares, nomeadamente, dificuldade de concentração, resultados mais baixos e dificuldades nas relações com os pares.
Independentemente da idade, as crianças expostas a episódios de conflito graves entre os pais manifestam maior reatividade psicofisiológica, comportamental, emocional e cognitiva.
ABORDAGEM POSITIVA AO DIVÓRCIO
As crenças relativamente ao divórcio são inúmeras, assim como os discursos que são proferidos como verdades absolutas “O divórcio ou separação dos pais é sempre um processo doloroso tanto para o casal quanto para os filhos”; “A separação dos pais é sempre um motivo de tristeza”; “ O divórcio é uma vivência que implica perda, stress, frustração e abandono”; “ A separação desestabiliza e prejudica psicologicamente as crianças”; “Quando há um divórcio, todas as crianças se sentem abandonadas”.
A investigação indica que esta visão é simplista, uma vez que o divórcio não é obrigatoriamente um problema para as crianças, nem tão pouco será o responsável supremo por problemas psicológicos no futuro. Uma criança, filha de pais divorciados, poderá ter um desenvolvimento perfeitamente normal e saudável e ainda mais tarde, e na fase adulta manifestar maior flexibilidade e abertura que uma criança que não tenha experienciado esta situação.
Como tal, o que condiciona e compromete a estabilidade emocional da criança, é o modo como os pais gerem todo o processo de divórcio e não o acontecimento em si.
A capacidade da criança lidar com a crise que se pode levantar, vai depender sobretudo da relação que se estabelece entre os próprios pais. É indispensável que consigam distinguir, objetivamente e com clareza, a função conjugal da função parental, para que deste modo, possam transmitir aos seus filhos que as responsabilidades parentais de proteção e cuidado, aliadas ao amor, permanecerão.
COMO COMUNICAR ÀS CRIANÇAS
O divórcio é um momento bastante complexo, para pais e filhos, e poderá ser bastante angustiante e doloroso para todos. Podemos considerar alguns fatores que facilitam este processo, nomeadamente o modo como é comunicada esta decisão dos pais. Aconselha-se aos pais que ainda antes da separação, transmitam de forma adequada que se vão separar, mostrando que a criança não tem qualquer responsabilidade pela tomada de decisão e que ambos continuarão, sempre, a gostar dela e jamais a abandonarão. Não são poucas as vezes, em que os pais não sabem como informar e optam por não dizer, rigorosamente, nada. No entanto, a opção de nada dizer, tem consequências, uma vez que quando o divórcio se concretiza, a criança experiencia sentimentos de culpa e também de abandono.
É fundamental que transmitam aos filhos todas as informações necessárias para que estes compreendam os motivos pelos quais os pais se separaram.
A informação e o modo de a comunicar pode acalmar a criança ou pelo contrário angustia-la ainda mais. O sentimento de perda e abandono, a dúvida, a incredulidade, e a negação são frequentes face a uma situação de divórcio.
É fundamental responder às questões que a criança coloque, e que a verdade e a clareza das respostas seja uma prioridade. Às crianças mais pequenas, convém ter o cuidado especial de, em vez de dizer “os pais já não gostam um do outro”, melhor será comunicar que “os pais não conseguem viver juntos”.
RECASAMENTO
Alguns autores consideram que o divórcio implicará mais tarde ou mais cedo um recasamento e como tal, uma redução no convívio com os filhos.
Atualmente verificamos que o recasar tornou-se algo comum. A família que se desfaz e a que se organiza sofre transformações, nomeadamente com novas relações e desafios pela frente, que nem sempre os indivíduos estão preparados para enfrentar.
Existe um “nós” da primeira família passa a existir, também um “nós” da segunda, no entanto, esta transformação exige algum tempo e nem sempre acontece.
Os filhos, nesta passagem, sentem que de alguma forma estão a trair um dos seus pais. Depois de algum tempo, a nova família que se desenvolveu a partir do recasamento, estabiliza, e as relações entre todos são mais autênticas e próximas que de início. É cada vez mais comum, crianças com mais avós e mais avôs, meios-irmãos, tios e tias, e primas e primos em duplicado. A relação entre irmãos no recasamento é seguramente mais fácil quando ainda são crianças, do que na adolescência, aí sim, mais complexa e difícil.
É necessário desmistificar a família nuclear como o modelo a ser seguido e encarar as novas configurações como igualmente capazes de promover a proteção, o cuidado e o desenvolvimento adequado de todos os seus membros.
ATITUDE SAUDÁVEL E POSITIVA DOS PAIS
A atitude dos pais é determinante na reorganização da vida familiar. Os pais podem, evidentemente, adotar duas posturas distintas, ou construtiva ou destrutiva. Assim sendo, quando têm como prioridade o bem-estar dos seus filhos, a postura construtiva prevalece, e como tal, não há lugar a manipulação.
Existe por parte de alguns pais uma necessidade enorme de agredir e denegrir a imagem do outro, nomeadamente, com críticas sobre a mãe ou o pai na sua presença, colocando à frente dos interesses da criança o seu desejo de retaliação e vingança. É comum questionarem a criança sobre com qual dos pais pretende ficar, obrigando-o a violência de uma escolha imediata. O filho também não deverá ser mensageiro entre pai ou mãe e ex-cônjuge. A criança não poderá ser um transmissor de mensagens, seja sobre que questão for, férias, dinheiro ou outros problemas. Estes assuntos deverão ser tratados pelos pais diretamente, sem qualquer envolvimento dos filhos.
É fundamental manter os conflitos entre os pais afastados da criança. A criança deve, inclusivamente, ser ajudada a manter uma imagem positiva do outro cônjuge, uma vez que tem o direito de viver com ambos, de ter uma imagem agradável dos dois, e de ser absolutamente livre de amar e respeitar todos eles, nomeadamente, avós, tios e, e os novos companheiros da mãe ou do pai, se eventualmente existirem.
Outro aspeto, fundamental, a ter em consideração, será o de relembrar a criança que o divórcio não é culpa sua; que o que os filhos sentem e pensam é muito importante para os seus pais; que existe sempre algo que elas podem fazer para se sentirem melhor; que continuarão a ser amadas após estes se divorciarem; que os pais conversarão entre si sempre que os filhos tiverem algum problema; e que estarão sempre seguros e protegidos.
INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA
Cada vez mais observamos separações e divórcios, e a procura de acompanhamento psicológico para estas situações tem vindo igualmente a crescer.
Na minha prática clínica são inúmeras as solicitações de aconselhamento e acompanhamento. Verifico que as famílias têm uma imensa necessidade de apoio e sobretudo de informação, sobre práticas parentais adequadas, para lidar com todo o processo de pré e pós divórcio.
O divórcio ou separação não tem que, necessariamente, constituir um fator desestabilizador para as crianças. O modo como os pais gerem e conduzem todo o processo, condicionará certamente o seu bem-estar físico, psicológico e cognitivo.
(Importa mencionar que os estudos demonstram que é menos problemático para uma criança a rotura conjugal do que permanecer numa família, na qual existem conflitos conjugais constantes.)
Artigo | Revista Insights | 2014
AUTORA
Dr.ª Márcia Gonçalves
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde.
Especialista em Psicologia da Educação.
Especialista Avançada em Psicoterapia.
Especialista Avançada em Neuropsicologia.
(Especialidades atribuídas pela Ordem dos Psicólogos Portugueses)
AUTORA
Dr.ª Márcia Gonçalves
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta